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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Infância – Formas de Conceber e Tratar a Criança


Linha do Tempo








INFÂNCIA – formas de conceber e tratar a criança


 
A escola, que muito fala e pouco ouve, consolidou suas práticas ao longo da história sem saber escutar as crianças. As práticas escolares não as percebem como indivíduos com opiniões próprias e contribuições a dar, pouco valorizando as capacidades de criação e recriação de suas realidades, suas produções e culturas. Chegamos ao final do milênio podendo encontrar algumas experiências que procuraram e outras que buscam (re)constituir a escola, pensando-a como espaço educativo de possibilidades, de criação e também de escuta. No entanto, ainda vivemos em uma sociedade em que os direitos do homem não são garantidos e, tão pouco, o das crianças. Reverter a situação dentro do ambiente escolar se constitui tarefa desafiadora a todos os educadores que intentam romper essas práticas e empreender na escola uma educação que possibilite a crianças e jovens fazerem a leitura e interpretação dos mapas de um mundo complexo e agitado, fornecendo ao mesmo tempo, condições para que naveguem através dele.
Para podermos compreender a instauração do processo de ressignificação da infância, sua condição histórica e cultural, torna-se importante descrever como este conceito foi se constituindo no decorrer do tempo. Os estudos sobre a infância, a família, a escola e as concepções pedagógicas estão intimamente relacionados. O modo de pensar como a criança deve ser tratada e como deve ser sua educação, expressa concepções subjacentes de infância, educação e sociedade.
Estudos históricos mostram que até o início dos tempos modernos, a criança não era vista como sendo diferente do adulto, sempre calada, não merecendo ser ouvida, mas vivenciando e assistindo o mundo no qual ela não era considerada protagonista. Curiosamente se verifica que essa concepção está relacionada com o significado etimológico da palavra. Segundo o Dicionário Escolar Latino-Português (1956):

Da partícula negativa latina in, ‘não’, usada como prefixo, e do latim fans, fantis, particípio presente de fari, ‘falar, ter a faculdade da fala’, forma-se o adjetivo latino infans, infantis, ‘que não fala, que tem pouca idade, que é ainda criança’. O adjetivo infantilis, ‘que diz respeito à crianças, infantil’, e o substantivo infantia, ‘incapacidade de falar, dificuldade em se exprimir, meninice, infância’, são derivados latinos de infans, infantis.

Essa concepção de infância é relacionada à criança até os sete anos. Conforme Ariès (1981), após essa idade a criança passava a usar roupas iguais à dos adultos e a ser tratada como tal. O Dicionário Latino-Português traz uma observação dizendo que aos sete anos é que se considerava terminado o período em que a criança era incapaz de falar.
Alguns autores afirmam que a idade dos sete anos era considerada um momento referencial na mudança das relações da criança com o meio em que estava inserida. Nas comunidades primitivas até essa idade ela acompanhava os adultos em todas as atividades, porém não havia ninguém especialmente destinado a cumprir a tarefa de educá-la. A partir dos sete anos passava a ser responsável pela sua própria sobrevivência. 
Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança a pessoa até os doze anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. O Brasil foi o primeiro país da América Latina, no que diz respeito à promoção e defesa dos Direitos da Criança, a normatizar a concepção sustentada pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, com enfoque na proteção integral da criança e do adolescente. Segundo Abramovay:

O Estatuto da criança e do Adolescente – ECA foi um importante ponto de partida para a política da criança/adolescente como sujeito de direitos, como cidadã. Sua aprovação resultou de uma intensa atividade dos movimentos sociais em favor da criança e do adolescente, envolvendo grupos e instituições ligados ao Fórum Nacional de Crianças e Adolescentes e contando com o apoio de vários setores relevantes da sociedade civil. Desde sua criação até agora, muitos passos foram dados. (1999, p. 155).

Apesar das mudanças e considerar-se o ECA um avanço na legislação brasileira muitas reflexões e debates têm sido feitas acerca dessa lei, pois ainda termos muito a avançar na área de legislação e proteção aos direitos da criança, o que não será aprofundado neste texto por fugir ao objetivo central.
A infância deve ser considerada uma condição do ser criança, sendo importante respeitá-la e considerar seu universo de representações, pois é um sujeito participante das relações sociais, fazendo parte de um processo histórico, social, cultural e psicológico. Permitir que suas representações sejam registradas significa a possibilidade da criança escrever sua própria história, que até então foi só produzida por adultos, como uma história sobre a criança. Os estudos sobre a criança e a infância, ao abordarem aspectos das relações sociais, por muito tempo tiveram ênfase somente nos processo psicológicos. Kramer (1996, p.18) faz referência a este tipo de abordagem afirmando:

Buscando a sociologia, a história e a antropologia para compreender a infância, eu me afastava de referenciais eminentemente psicológicos – e de uma psicologia do indivíduo, dos dons e aptidões – que estiveram presentes na formação acadêmica que recebíamos, e que insistiam em caracterizar a criança quer como imatura e dependente, carente e incompleta, quer como esponja absorvente, semente a desabrochar, quer ainda como perverso polimorfo ou sujeito epistêmico.

Uma das contribuições mais importantes sobre a história da infância, foi dada pelo historiador francês Ariès (1981), com enfoque na história das mentalidades, principalmente no que diz respeito à condição e natureza histórica e social do ser criança. Este autor analisou como se constituiu o conceito de infância a partir da análise de obras de arte e literatura, onde eram retratados hábitos, vestuário e algumas situações da vida social.
Segundo Ariès (1981, p.50), até o século XII, a arte medieval desconhecia ou não retratava a infância, não existia nenhum sentimento diferenciado do ser criança. De acordo com o autor: “O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem.” (Ariès, 1981, p. 156). Ela era tratada sem distinção do mundo adulto, sendo representada em obras de arte como um homem ou mulher em miniatura.
Por volta do século XIII, a criança começou a ser representada com características um pouco diferentes que foram se modificando durante os séculos XIV e XV, porém as cenas em geral não se consagravam à descrição exclusiva da infância, mas muitas vezes tinham nas crianças suas protagonistas principais ou secundárias (Ariès, 1981, p.55). Isto pode indicar que elas participavam do cotidiano dos adultos, em reuniões para o trabalho, passeios, jogos, sendo também retratadas pela sua singeleza. Conforme ressalta Ariés (1981, p.56):

Dessas duas idéias, uma nos parece arcaica: temos hoje, assim como no fim do século XIX, uma tendência a separar o mundo das crianças do mundo dos adultos. A outra idéia, ao contrário, anuncia o sentimento moderno da infância.

Pode-se registrar que na Cultura Ocidental interesses ou indiferenças pela criança não são características estanques de determinados períodos da história. De acordo com Gélis (1991, p.328):

As duas atitudes coexistem no seio de uma mesma sociedade, uma prevalecendo sobre a outra, em determinado momento, por motivos culturais e sociais que nem sempre é fácil distinguir. A indiferença medieval pela crianças é uma fábula; e no século XVI, os pais se preocupam com a saúde e cura de seu filho.

O tratamento dado às crianças e as concepções relacionadas à infância estão intimamente ligados às práticas e hábitos culturais da sociedade ao longo da história. Por volta do século XIII, a criança era pública e considerada como a parte da família que garantia sua continuidade. Na hora do nascimento, apesar de o parto acontecer em casa, local privado, este era assistido por várias mulheres das proximidades, o que o tornava um ato público. Quando a criança começava a caminhar, devia dar seus primeiros passos em um local público, preferencialmente onde repousassem seus ancestrais. Esse ritual, da mesma forma que o batizado, deveria ser assistido por outros, pois garantia aos pais a prova da continuidade da família.
Após o período em que a mãe amamentava a criança, ela entrava no período da primeira infância. O papel dos pais era importante nessa primeira educação, a época das aprendizagens: do espaço da casa, da aldeia, das redondezas, do brinquedo da relação com outras crianças, das técnicas do corpo, das regras de participação na comunidade, das coisas da vida. A criança era um produto da coletividade sendo preparado para desempenhar o papel que essa coletividade esperava.
Para Gélis (1991, p.311) crenças como a de que o indivíduo saía da terra através da concepção e a ela voltava através de sua morte, apontavam que a consciência de vida e corpo, muito diferente da que temos hoje, era estritamente ligada à preservação da linhagem, por isso o corpo não era só do indivíduo, mas também dos outros; daí ser possível afirmar que a criança era pública. Ariés (1981, p.246) descreve:

O movimento da vida coletiva arrastava numa mesma torrente as idades e as condições sociais, sem deixar a ninguém o tempo da solidão e da intimidade. Nessas existências densas e coletivas, não havia lugar para um setor privado. A família cumpria uma função – assegurava a transmissão da vida, dos bens e dos nomes – mas não penetrava muito longe da sensibilidade. Os mitos, como o do amor cortês(ou precioso), desprezavam o casamento, enquanto as realidades como a aprendizagem das crianças afrouxavam o laço afetivo entre pais e filhos.

Sinais de uma mudança dessa relação com a criança, no final do século XVI, mostraram uma concepção diferenciada em relação à vida e ao corpo. O homem passou a preocupar-se mais com a preservação da vida da criança, com as doenças, tratamento e curas. No século XVII, a preocupação passou a ficar na contradição entre a perpetuação da linhagem e o desejo de viver, determinando modificações nos comportamentos familiares e na sociedade. Novas relações entre indivíduo e grupo se estabelecem, o indivíduo torna-se mais independente da família, seu corpo passa a ser somente seu, recebendo atenção para evitar a doença e a dor; sua perpetuação é o corpo de seu filho, ou seja surge a individualidade do sujeito. A criança recebe a atenção do pai e da mãe, passando a ser uma importante preocupação, já que a consciência da vida assume sentido circular e não mais linear. A família passa a desfrutar de um espaço mais privado e íntimo, levando Gélis (1991) a afirmar que essas mudanças estão relacionadas à inovação do local e à nova configuração da cidade. No decorrer da história, a criança sempre dependeu do público e do privado para suas aprendizagens, sofrendo influências que foram se alternando conforme a época.
Nunca é demais enfatizar que a história da infância está relacionada diretamente à história da família, e que esta também foi se constituindo historicamente a partir do contexto cultural, social e econômico. Ariès (1981) analisa a constituição da família a partir do final da Idade Média, e, quando aborda a questão do público e do privado, procura deixar claro que estes conceitos não eram vistos como hoje na sociedade moderna. Até aproximadamente o século XVI não havia uma definição clara estabelecida para a vida familiar, ou seja, muitos hábitos e práticas familiares eram realizados junto com toda a comunidade, sem nenhum tipo de preocupação com o contrário. O que faz com que a família vá se constituindo e tornando-se privada? O mesmo autor aponta três acontecimentos marcantes para uma mudança na constituição dos espaços, tornando-os privados ou públicos: o primeiro fato é o novo papel do Estado (Ariès, 1991 p.9), o segundo é o desenvolvimento da alfabetização e ampliação do hábito da leitura com o surgimento da imprensa, e o terceiro o surgimento de novas formas de religião.
Críticas às novas relações estabelecidas entre pais e filhos nos séculos XVI e XVII surgiram por parte dos moralistas que condenavam a complacência com que eram tratadas as crianças. Segundo Ariès (1981), existiram duas posições distintas em relação à infância: uma que concebe a criança como ser ingênuo, que necessita de mimos, e outra que a entende em fase de crescimento, necessitando assim moralização e educação. Os mimos, recebidos em casa, eram vistos como causadores de muitas fraquezas. Para combater essa educação privada, a Igreja e o Estado resolveram tomar o encargo educativo. Ou seja, o poder político e religioso, como poderes públicos, passaram a interferir diretamente na vida privada das famílias, que aceitou a intromissão, por acreditar não serem capazes de dar a formação adequada aos seus filhos. Registra Ariès (1981, p.11):

A partir de um certo período, (...) e, em todo caso, de uma forma definitiva e imperativa a partir do fim do século XVII, uma mudança considerável alterou o estado de coisas que acabo de analisar. Podemos compreendê-la a partir de duas abordagens distintas. A escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato com eles. A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderam até nossos dias, a ao qual se dá o nome de escolarização.

O novo olhar dado à infância a leva para um local tido como apropriado, a escola e o colégio, que vai preparar-lhe para a convivência social, e o mais importante, dentro dos padrões morais estabelecidos. É uma concepção que distingue bem essa etapa da idade adulta surgindo apropriada pelo discurso pedagógico, que a foi definindo com o propósito de melhor discipliná-la.
Foi nesse momento que começaram a se configurar os Estados administrativos modernos; a Igreja encontrava-se afetada pelo absolutismo e pelas divergências e dissidências internas, buscando então formas de intervenção e ação na sociedade, criando diversas estratégias com o objetivo de controlar os fiéis. Eram várias as práticas de controle educativas que afetaram a reforma do próprio clero através de normas que buscaram regular suas vidas e costumes.
A Igreja Católica fundou colégios e instituições que preparavam tanto os mestres dos jovens príncipes, como outras instituições caritativas e beneficentes para os filhos dos pobres. As escolas criadas junto às Igrejas tinham o intuito de formar jovens menores de doze anos e torná-los exemplos de pastores de almas. Segundo Varela (1992, p.79):

As ordens religiosas dedicadas à educação da juventude preocupar-se-ão desde muito cedo em proporcionar aos religiosos que se ocupem deste mister uma formação especial. (...) E é verdade que é preciso assinalar que a constituição da infância e a formação de profissionais dedicados à sua educação são as duas faces da mesma moeda. Será nos colégios que se ensaiarão formas concretas de transmissão de conhecimentos e modelação de comportamentos que, mediante ajustes, transformações e modificações ao longo de pelo menos dois séculos, suporão a aquisição de todo um acúmulo de saberes codificados acerca de como pode resultar mais eficaz a ação educativa. Somente assim poderá fazer seu aparecimento a pedagogia e seus especialistas.

Alguns autores que influenciaram diretamente na educação moderna, entre eles Erasmo de Rotterdam (1467-1536), Juan Luis Vives (1492-1540), François Rabelais (1494-1553), Michel de Montaigne (1533-1592), Martin Lutero (1483-1546), João Calvino (1509-1564) e João Amós Comênio (1592-1670), possuíam concepções diferentes em relação à infância (puerícia) e mocidade; no entanto todos propunham invariavelmente o aspecto moralizante a ser abordado, considerando como importante a iniciação na aprendizagem da fé e dos bons costumes. A preocupação maior desses autores era com a juventude, período a que dedicaram maior atenção; somente a partir do século XVIII é que a infância passou a receber maior atenção.
Erasmo, nascido em Rotterdam, viveu e trabalhou em diferentes cidades da Europa seguindo basicamente as idéias de Quintiliano, dando grande importância ao estudo da antigüidade clássica e, de certa forma, reduzindo a cultura humana à cultura literária (Durkheim, 1995, p.192). Para ele o fim da educação era em primeiro lugar que o jovem recebesse as sementes da piedade, depois que amasse os estudos liberais e por fim que fosse preparado para os deveres da vida e as boas maneiras. A obra de Erasmo, A civilidade pueril, por três séculos indicou formas de garantir a pedagogia das boas maneiras, influenciando diretamente muitas práticas pedagógicas. Dados sobre essa obra de Erasmo apontam indistintamente referências às crianças e aos jovens, o que comprova que ele não as diferenciava, mas se referia a uma disciplina que servisse a todos indistintamente, e não só a jovens de elite, como era comum na época.
François Rabelais (1494-1553), frade e médico, escreveu obras literárias que assumiram importância na época, e apesar de não serem pedagógicas, transpareciam suas idéias sobre educação. Gargântua, seu romance satírico, apresenta uma história onde tudo é exagerado. Gargântua é um gigante, que no decorrer da história, está se dirigindo ao jovem filho Pantagruel. De acordo com Goulemot (1991), tudo o que na obra remete ao orgânico é uma transcrição verbal de práticas admitidas e conhecidas na Idade Média, que somente se tornou chocante no momento em que passaram a vigorar princípios de civilidade. Ainda segundo este autor (1991, p.378):

(...) nada nos impede de interpretar a obra de Rabelais como um espaço de tensões contraditórias: de um lado, a presença da festa, do carnaval, do que na verdade melhor encarna a sociabilidade aberta da comunidade medieval; do outro, através do projeto educativo, a crítica das autoridades religiosas e políticas, a adesão a formas do intercâmbio social que as contradizem.

Para Durkheim (1995), Rabelais, representa uma das correntes pedagógicas que surgiu no século XVI, com características diferenciadas da corrente representada por Erasmo. Para ele, o objetivo essencial da educação para Erasmo seria o de exercitar o aluno na apreciação das obras-primas da Grécia e de Roma e a imitá-las com inteligência, enfatiza a necessidade de estender a natureza humana em todas as direções e, sobretudo, pelo gosto intemperante pela erudição, por uma sede de saber que nada pode saciar. Durkheim (1995, p.192) diferencia os dois pensadores dizendo:

Assim, o formalismo pedagógico, do qual parecíamos estar à véspera de livrar-nos com Rabelais e os grandes eruditos do século XVI, é retomado com Erasmo, sob uma nova forma. Ao formalismo gramatical da época carolíngia, ao formalismo dialético da escolástica, sucede agora um formalismo de um gênero novo: o formalismo literário.

A valorização das ciências da natureza por Rabelais é bem demonstrada quando o pai Gargântua escreve ao filho Pantagruel que:

Quanto ao conhecimento dos fatos da natureza, quero que se adorne cuidadosamente deles; que não haja mar, ribeiro ou fonte dos quais não conheça os peixes; todos os pássaros do ar, todas as árvores, arbustos e frutos das florestas, todas as ervas da terra, todos os metais escondidos no ventre dos abismos, as pedrarias do Oriente e do Sul, nada lhe seja desconhecido. (Rabelais apud Rosa, 1985).

Da mesma forma que os outros autores que influenciaram a educação moderna, Rabelais não se refere à criança em seus escritos, mas sim ao jovem Pantagruel.
Sendo considerado um dos fundadores da pedagogia moderna, Michel de Montaigne (1533-1592), influenciou a educação moderna, criticando a educação de sua época por acreditar que era dura e brutal, além de só trabalhar com a memória. Em sua obra Ensaio, dedicou alguns capítulos sobre a educação, não fazendo diferenciações entre criança e jovem. Sobre a escola da época diz (Montaigne, 1982):

Nessa escola do comércio dos homens, notei amiúde um defeito: em vez de procurarmos tomar conhecimento dos outros, esforçamos-nos por nos tornarmos conhecidos e mais nos cansamos em colocar a nossa mercadoria do que em adquirir outras novas. O silêncio e a modéstia são qualidades muito apreciáveis na conversação. Educar-se-á o menino a mostrar-se parcimonioso de seu saber, quando o tiver adquirido; a não se formalizar com tolices e mentiras que se digam em sua presença, pois é incrível e impertinente aborrecer-se com o que não agrada. Que se contente com corrigir-se a si próprio e não pareça censurar aos outros o que deixa de fazer; e que não se contrarie os usos e costumes: “pode-se ser avisado sem arrogância”.

Apesar da indiferença do homem medieval em relação à idade e tratamento da criança e do jovem, os colégios deste período dedicavam-se à educação e formação da juventude, inspirando-se em elementos de psicologia que eram encontrados e que hoje reconhecemos em Cordier, na Ratio dos jesuítas e na abundante literatura pedagógica de Port-Royal (Ariès, 1981, p.191). A principal diferença entre a escola da Idade Média e o colégio da modernidade é a preocupação preponderante da disciplina rigorosa. A concepção de infância que foi se instaurando nos tempos modernos, correspondia a um tempo bem mais longo que a criança viria a passar no colégio. Segundo Varela (1992, p.83):

A escola não é somente um lugar de isolamento em que se vai experimentar sobre uma grande parte da população infantil, métodos e técnicas avalizados pelo professor, enquanto ‘especialista competente’, ou melhor, declarado como tal por autoridades legitimadoras de seus saberes e poderes; é também uma instituição social que emerge enfrentando outras formas de socialização e de transmissão de saberes, as quais se verão relegadas e desqualificas por sua instauração. (...) Os colégios irão inaugurar uma forma de socialização que rompe a relação existente entre aprendizagem e formação; relação que existia tanto nos ofícios manuais como no ofício das armas.

Convém registrar a experiência dos colégios jesuítas e o modo como tratavam a criança e a disciplinarização. Os jesuítas influenciaram diretamente não só na concepção européia de escola tradicional, como também na formação educativa no Brasil. A Igreja Católica reagiu fortemente à Reforma protestante preocupando-se com: os princípios da fé, a supremacia papal, a ênfase na ação da Inquisição e a criação de seminários. Assim surgiu a Ordem dos jesuítas, com rígida disciplina e o objetivo de propagação da fé, combatendo infiéis e hereges, aliado a uma forte preocupação com a formação humanística. Ainda romperam com práticas habituais de formação da nobreza e com a aprendizagem dos ofícios.
De acordo com Durkheim (1995), com a fundação dos colégios os alunos passaram a ser tratados como colegiais e não mais como estudantes, os jesuítas deram início à base de uma tutela e uma infantilização que não deixou mais de crescer, já que com a separação dos colégios do poder político, e os colegiais ficando isolados da comunidade, foram individualizados e perderam o controle de privilégios corporativos existentes anteriormente como estudantes.
No Iluminismo, período de muitas reflexões pedagógicas voltadas ao tratamento e educação das crianças, encontramos o naturalismo rousseauniano. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) é considerado um grande teórico da educação do século XVIII, com obras que marcaram a pedagogia e contribuíram à filosofia política. Concebia o cidadão como homem ativo e soberano, com autonomia, liberdade e submetido às leis que ele próprio ajudou a estabelecer. Sobre o período em que Rousseau surge com suas idéias, Ponce (1988, p.130) afirma:

Cada vez que, num regime social, se vislumbra a possibilidade iminente de uma derrocada, surge sempre, como um sintoma infalível, a necessidade de um retorno à natureza. Quando da decadência do mundo antigo, foram os estóicos que proclamaram a urgência de uma vida mais simples; quando da decadência do feudalismo, forma os renascentistas que, em nome de uma ‘volta ao antigo’, impuseram um paganismo da carne e da beleza; e agora, quando a monarquia, levantada sobre as ruínas do feudalismo, sentia que a sua antiga aliada, a burguesia ia crescendo em ambição e em ousadia, surge Rousseau, para proclamar, com um entusiasmo ardente, o Evangelho da Natureza.

A principal obra de Rousseau, Emílio ou Da educação, apresenta um jovem como personagem principal e descreve como deveria ser sua educação. Para ele a criança nasce boa por natureza e é corrompida pela sociedade. Esse pensador influenciou consideravelmente o modo de educar das elites francesas, que passaram a adotar uma educação mais individualizada afastando-se de uma educação coletiva, pois para Rousseau a criança deveria ser educada por um preceptor particular, afastada dos colégios e mais próxima das famílias. Em sua obra, privilegia a subjetividade que na intimidade deve permanecer ligada à natureza. A infância é tida por ele como a fase na qual a intimidade guarda a pureza da natureza, se contrapondo às normas da sociedade adulta. Segundo Rousseau (1995, p.90-91):

Estabeleçamos como máxima incontestável que os primeiros movimentos da natureza sejam sempre direitos: não há perversidade original no coração humano. Não se encontra nele um só vício de que não possamos dizer como e por onde entrou. (...) Portanto, a primeira educação deve ser puramente negativa. Consiste, não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em proteger o coração contra o vício e o espírito contra o erro. Se pudésseis nada fazer e nada deixar que fizessem, se pudésseis levar vosso aluno são e robusto até a idade de doze anos sem que ele soubesse distinguir a mão esquerda da direita, desde vossas primeiras lições os olhos de seu entendimento se abririam para a razão; sem preconceitos, sem hábitos, ele nada teria em que pudesse obstar o efeito de vossos trabalhos. Logo se tornaria em vossas mãos o mais sábio dos homens e, começando por nada fazer, teríeis feito um prodígio de educação.

É importante destacar a contribuição de Rousseau uma vez que, somente com ele é que surge a concepção de que a mente infantil opera diferentemente da do adulto, ou seja, a mente infantil não é nem carente, nem insuficiente, mas se estrutura de outra forma. Com ele nasce uma filosofia da educação, ou da formação do homem, que rompe com o ensino cumulativo e a pregação de preceitos onde simultaneamente aparece um forte afeto pela criança. Usa a palavra infância, com o significado de criança e utiliza o termo até a fase em que esta inicia a puberdade. A infância e seu desenvolvimento são definidos por Rousseau (1995, p.64-65) da seguinte forma:

Os primeiros desenvolvimentos da infância dão-se quase todos ao mesmo tempo. A criança aprende a falar, a comer e a andar aproximadamente ao mesmo tempo. Esta é propriamente a primeira fase de sua vida. Antes, não é nada mais do que aquilo que era no ventre da mãe; não tem nenhum sentimento, nenhuma idéia; mal tem sensações  e nem mesmo percebe a sua própria existência.(...) Eis a Segunda fase da vida, aquela onde acaba propriamente a infância, pois as palavras infans e puer não são sinônimas. A primeira está contida na segunda e significa quem não pode falar, daí em Valério Máximo encontrarmos puerum infantem. Mas continuo a me servir dessa palavra segundo o costume de nossa língua, até a idade para a qual ela possui outros nomes.

Além de referir-se à criança e tratar de suas diferenças em relação ao adulto, esse pensador descreve o modo como elas eram tratadas logo ao nascer, principalmente por suas mães, crítica que apresenta no primeiro capítulo de Emílio, onde lemos:

Ao nascer, uma criança grita; sua primeira infância passa-se chorando. Ora sacodem e a mimam para acalmá-la, ora a ameaçam e lhe batem para que fique quieta. Ou lhe fazemos o que lhe agrada, ou exigimos dela o que nos agrada, ou nos submetemos às suas fantasias, ou a submetemos às nossas: não há meio-termo, ela deve dar ordens ou recebê-las. Assim suas primeiras idéias são de domínio e servidão. Antes de saber falar ela dá ordens, antes de poder agir ela obedece e, às vezes, castigam-na antes que depois imputamos à natureza, e após nos termos esforçado para torná-la má, queixamo-nos de vê-la assim. (Rousseau, 1995, p.24)

Mas além das questões pedagógicas, o autor também desenvolveu várias concepções na área da política. Criticava o Estado absolutista, compactuando com alguns aspectos do pensamento de Locke. Estes aspectos estão mais relacionados a concepções de sociedade, mas também não muito diferente em relação à criança. Segundo John Locke (1632-1704), a criança nasce como uma tábula rasa, sobre a qual o adulto pode tudo imprimir. Locke foi o fundador do Empirismo, defendia a idéia de que todo conhecimento provém da experiência. Nas concepções de Locke sobre a educação encontra-se a crença de que aqueles que têm um espírito são em um corpo são pouco lhes resta a desejar. Uma pessoa que não desenvolve seu espírito com sabedoria nunca escolherá o caminho correto, e a que tenha um corpo vulnerável, débil, nunca se desenvolverá através dele. Portanto, o que diferencia os homens é a educação. Os homens devem submeter o espírito à razão através da educação, para ele este é o maior fator de desenvolvimento. Para ele deve ser considerada a idéia do contrato social, através do qual o povo possa determinar sua vontade, já que a sociedade o corrompeu e destruiu sua liberdade natural. Quanto a essa relação do homem com a sociedade e a diferença com que devem ser tratadas as crianças, Rousseau (1995, p.76) escreve que:

A sociedade enfraqueceu o homem não apenas lhe tolhendo o direito que tinha sobre suas próprias forças, mas sobretudo tornando-as insuficientes. Eis porque seus desejos se multiplicam junto com sua fraqueza, e eis o que faz a fraqueza da infância relativamente à idade madura. Se o homem é um ser forte e a criança é um ser fraco, não é porque o primeiro tem mais força absoluta do que o segundo, mas porque o primeiro pode naturalmente bastar a si mesmo e o outro não. Portanto, o homem deve ter mais vontades e a criança mais fantasias (...).

Para Rousseau a liberdade é limitada para as crianças pela fraqueza, a felicidade das crianças e dos homens consiste no uso de sua liberdade (...).Quem faz o que quer é feliz quando basta a si mesmo: é o caso do homem que vive no estado de natureza (Rousseau, 1995, p.77). Por isso, acredita que a criança deva ser educada a partir de seus interesses naturais, mas sem cair em espontaneísmos. A criança deve aprender a lidar com seus desejos e conhecer seus limites. Através do excessivo otimismo em relação ao caráter da natureza boa do homem ao nascer é que Rousseau faz severas críticas à educação autoritária, onde o fim da educação para ele é a inserção social, após a criança ter recebido uma educação individualizada.
Após Rousseau, surgiram vários outros pensadores que influenciaram o pensamento pedagógico e as concepções sobre infância, destacando-se os importantes trabalhos de Pestalozzi e Froebel. Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) preocupava-se principalmente com as crianças pobres, foi fundador de várias escolas onde recolhia órfãos e mendigos. Seguiu as idéias de Rousseau, acreditando que o homem nasce inocente e bom, sendo a função da educação a humanização e estimulação do desenvolvimento espontâneo da criança. A partir de suas experiências nas escolas populares e suas crenças no pensamento rousseaniano, criou um método que priorizava a atividade do aluno, acreditando que se devia partir de objetos simples à atividades mais complexas, do conhecido para o desconhecido, do concreto para o abstrato, do particular para o geral. Para Pestalozzi a educação poderia ser relacionada à natureza, segundo ele:

Uma educação perfeita é para mim simbolizada por uma árvore plantada perto de águas fertilizantes. Uma pequena semente que contém o germe da árvore, sua forma e suas propriedades é colocada no solo. A árvore inteira é uma cadeia ininterrupta de partes orgânicas, cujo plano existia na semente e na raiz. O homem é como a árvore. Na criança recém-nascida estão ocultas as faculdades que lhe hão de desdobrar-se durante a vida: os órgãos do seu ser gradualmente se formam, em uníssono, e constroem a humanidade à imagem de Deus. A educação do homem é um resultado puramente moral.(Pestalozzi apud Gadotti, 1997, p.98)

Friedrich Froebel (1782-1852) segue as idéias de Pestalozzi e sofre influências dos filósofos idealistas. Sua principal preocupação foi com as crianças da primeira infância, antes do período do ensino elementar. Foi ele quem fundou os kindergarten, jardins de infância, estando a denominação relacionada com o jardineiro que cuida das plantas desde pequeninas, cultivando-as para que cresçam bem, pois considera a infância como fase fundamental no desenvolvimento do homem. Priorizava o caráter lúdico da aprendizagem e defendia a idéia da evolução natural da criança, com uma concepção positivista de que as atividades levam espontaneamente ao conhecimento (Kramer, 1989). Com essa mesma concepção, também encontramos Decroly (1871-1932).
Chegado o final do século XIX e início do século XX começaram a surgir preocupações e estudos sobre a criança, até porque esse período esteve marcado pela crença no progresso da ciência, resultando em muitas investigações e pesquisas; dessa forma seria possível ainda citar vários autores que pensaram a educação e/ou a infância durante esse século e que de alguma forma contribuíram para as concepções que hoje temos sobre o tema, como: Maria Montessori, John Dewey, Célestin Freinet, Walter Benjamin, Janusz Korczak, Edouard Claparède, .Jean Piaget, Lev S. Vygotsky, Paulo Freire. Abaixo serão apresentadas as idéias de alguns desses estudiosos.
Maria Montessori (1870-1952), primeira mulher italiana a se tornar médica, elaborou uma pedagogia a partir de seu trabalho prático com crianças. Montessori criou uma escola com características diferentes, que recebeu o nome de Casa dei bambini, dando origem à rede de instituições educativas. Preocupava-se com a educação das crianças e com a formação de seus professores. Ficou muito conhecida como médica e militante dos direitos femininos. Para Montessori, a educação tradicional modelava as crianças, sujeitando-as às concepções adultas. A palavra-chave de sua pedagogia é a normalização, que significa a interação das forças corporais e espirituais, ou seja, corpo, inteligência e vontade. Esta reunificação de forças pelas crianças ocorreria à medida em que elas trabalhassem com atenção e concentração. Montessori atribuía grande espaço aos fatores biológicos, porém, sem vê-los como determinantes do desenvolvimento, já que um meio favorável poderia modificar certos traços herdados. Segundo ela, as atividades manuais e físicas, com objetos definidos, ajudavam à organização interna das crianças. Criou uma metodologia de ensino a partir de uma série de materiais didáticos, organizados em cinco grupos: material de exercícios para a vida cotidiana, material sensorial, de linguagem, de matemática e de ciências. Essa metodologia foi muito difundida devido a seus resultados positivos, tornando-se muito conhecida no mundo todo, inspirando diversas propostas pedagógicas durante todo o século XX.
As contribuições de Celèstin Freinet (1896-1966) também merecem destaque. Este francês, no início do século, foi designado para lecionar em uma pequena vila no interior de seu país. Em sua atividade, percebeu que as crianças que eram alegres e curiosas fora do ambiente escolar, neste se mostravam apáticas e desinteressadas. Constatou que o trabalho dentro da sala de aula era distanciado da vida que acontecia fora da escola, por isso era monótona para os alunos; então preocupou-se em criar um modo de ligar a escola à vida das crianças. Criou as chamadas aulas-passeio, onde os alunos ficavam em contato com a natureza e com o mundo social e cultural. Criou, também, o livro da vida, onde as crianças registravam suas experiências. Piaget faz a seguinte referência a Freinet:

Quanto às iniciativas individuais de mestres de escola particularmente inventivos ou devotados à infância e que se encontram por meio da inteligência do coração os processos mais adaptados à inteligência propriamente dita (como outrora Pestalozzi), poder-se –ia citar um grande número nos países mais diversos de língua francesa, alemã (...), italiana, inglesa, etc.. Entretanto, limitar-nos-emos, como exemplo do que pode ser feito com os modestos meios e sem nenhum incentivo particular por parte dos ministérios responsáveis, a lembrar a notável obra realizada por Freinet, que espalhou às mais diversas regiões francófonas, entre as quais se inclui o Canadá. Sem cuidar muito da psicologia da criança e movido sobretudo pelas preocupações sociais, (...) Freinet interessou-se mais em fazer da escola um centro de atividades permanecendo em comunicação com as da coletividade do ambiente. (Piaget apud Sampaio, 1989, p.9)

Freinet acreditava que se os conteúdos e conceitos das diferentes áreas do conhecimento fossem discutidos de forma viva e integrada, a escola se tornaria mais interessante àquelas crianças. É possível concluir que a Pedagogia Freinet foi criada para atender às necessidades da criança. Suas idéias trouxeram contribuições muito valiosas a muitas reflexões na área da educação.
Também, Jean Piaget (1896-1980), biólogo com preocupações eminentemente epistemológicas (teoria da conhecimento), elaborou uma teoria que ainda contribui profundamente para a área da educação. Seus estudos, constituindo a teoria construtivista, tiveram origem em uma importante pergunta que formulou: Como se passa de um conhecimento menos elaborado para um conhecimento mais elaborado? Pesquisou e elaborou uma teoria sobre os mecanismos cognitivos da espécie (sujeito epistêmico) e dos indivíduos (sujeito psicológico). Realizou inúmeras pesquisas com crianças, sendo esta uma importante característica de seus trabalhos. Alguns aspectos de sua teoria aparecerão nos capítulos seguintes; nesse momento, convém ressaltar a importância do seu trabalho para a compreensão da construção do conhecimento e do desenvolvimento cognitivo da criança.
Pode-se afirmar que no limiar do século XXI começam a surgir outros modos de olhar e tratar a criança, através de novas concepções acerca da infância. Um dos trabalhos mais sistematizados sobre esse pensar diferente a criança chega através da obra de Sônia Kramer (1996), que faz um estudo sobre as concepções de infância, e coloca a criança como sujeito social, criadora de cultura, desveladora de contradições e com outro modo de ver a realidade. Kramer (1996) apresenta junto com outras autoras essa concepção, tendo como referenciais Walter Benjamin, Lev S. Vygotsky e Mikhail Bakhtin.. Convém destacar que encontro na obra dessa autora, diretamente ligada à área da educação, um estudo elaborado acerca da idéia de infância que serve como referencial. Para Kramer (1996, p.14):

(...)a criança é concebida na sua condição de sujeito histórico que verte e subverte a ordem e a vida social. Analiso, então a importância de uma antropologia filosófica (nos termos que dela falava Walter Benjamin), perspectiva que, efetuando uma ruptura conceitual e paradigmática, toma a infância na sua dimensão não-infantilizada, desnaturalizando-a e destacando a centralidade da linguagem no interior de uma concepção que encara as crianças como produzidas na e produtoras de cultura.

O trabalho pedagógico na escola deve estar comprometido com as transformações necessárias para que a sociedade se torne mais democrática. Se reconhecermos que a escolaridade é um fator importante para o desempenho social e político na vida contemporânea, devemos reorientar a visão que a escola deve ter da criança, percebendo-a como um ator social que vive e tem um papel na sociedade.
Tratar a criança como cidadão implica o reconhecimento de seus direitos. Em 1959, ao ser proclamada a Declaração Universal dos Direitos da Criança pela Organização das Nações Unidas, é que pela primeira vez na história, a criança passou a ser reconhecida legalmente como um ser humano singular, com características específicas e com direitos próprios, enfim como cidadão. No entanto ao verificar a situação da infância no nosso país percebemos o quanto esses direitos não são atendidos, devido à profunda desigualdade existente e insuficiência de políticas sociais para solucionar questões como: altas taxas de mortalidade, freqüência e permanência na escola, trabalho infantil, maus-tratos, mortes por causas violentas, abuso sexual e negligência. Um quadro nada promissor e pouco otimista indica que nossas crianças ainda não são consideradas como atores sociais, e como tal ainda não têm seus direitos respeitados e garantidos.
A visão de infância que apresento, não é romântica, ou ainda que as crianças devam ser tratadas com mimos. Ressalto que tratar as crianças como atores sociais implica reconhecer suas diferenças e características favorecendo a vivência de uma infância com tratamento adequado.
Uma grande parte das crianças, apesar de viverem tão inseridas no mundo dos adultos, não são tratadas como cidadãos com direitos, pouco se lhe oportunizam espaços e momentos para viverem o lúdico, importante e necessário nessa etapa da vida. Algumas pesquisas já apontam a dificuldade das crianças de se descolarem do contexto, de se distanciarem e extrapolarem o real. Permitir à criança viver o lúdico é permitir-lhe também amadurecer no simbólico. Como a escola tem possibilitado a vivência do lúdico? Na maioria das escolas não há nem o espaço para que vivenciem o lúdico, nem para que narrem o real. Os aspectos relacionados à concepção de infância e sobre como as crianças eram tratadas e educadas permitem analisar e refletir melhor sobre as concepções hoje existentes, também possibilitando uma reflexão sobre a educação e a escola hoje.
O modo como as crianças vivem e são tratadas, assim como as diversas violações de seus direitos e o crescente aumento da violência na sociedade são questões amplas, mas freqüentemente trazidas para o espaço escolar. Portanto, a escola não pode deixar de reconhecer a criança como sujeito social e histórico, apesar de esta ser uma concepção concepção muito recente, surgida na segunda metade do século XX. Também, não podemos mais falar da existência de um único conceito de infância, pois pensar a criança e as infâncias, implica analisar uma multiplicidade de diferenças como as de classe social, etnia e gênero. Para conhecê-la melhor, é necessário levar em conta suas condições reais de vida, sua origem social e sua cultura. Cabe aos educadores tomarem consciência de questão tão importante e redirecionarem suas práticas com o reconhecimento da criança como sujeito atuante das práticas sociais.



Adaptado de ludicidadeemacao

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